Muita gente acha que livro infantil precisa ser apenas
flores, princesas e finais felizes. No entanto, meus pais nunca pensaram assim
e acabaram sempre me dando livros um tanto controversos enquanto eu crescia.
Acabei aprendendo a apreciar a literatura infantil como mais que uma historinha
boba e sem nenhum pingo de realidade. E, mesmo hoje, o gênero é um dos meus
preferidos, principalmente o subgênero do terror infantil, cujo horror tem
outras raízes, assim como o medo infantil é diferente do adulto.
Aqui eu vou falar sobre cinco livros infantis com
mensagens ou formas que também podem agradar adultos, alguns um pouco
assustadores e outros nem tanto, mas todos que me marcaram bastante (e apenas
um deles li na infância).
1. A luz
é como a água, do Gabriel García Márquez
Essa
história faz parte de um livro de contos chamado Doze Contos Peregrinos e foi o
único dessa lista que eu li enquanto criança. Tudo começa quando Totó e Joel,
dois irmãos curiosos e tenazes, decidem que querem um barco a remos de natal. O
problema é que moram em um apartamento em Madri e querem o barco lá. Os pais prometem lhes dar o barco se
ganharem os louros da sua turma na escola, o que eles fazem e, assim, conseguem
o presente.
Quando
os pais saem para ir ao cinema, os garotos quebram uma lâmpada e deixam a luz
jorrar como água por todo o apartamento, pegando o barco e os equipamentos
náuticos para navegar. E assim o fazem várias vezes, aprendendo a mexer na
bússola e no sextante, mergulhando com pés de pato e tanques de ar comprimido
no mar de luz, descobrindo tesouros perdidos e se aventurando pelos móveis.
Esse conto
é bem curto, porém com uma profundidade em que Totó e Joel poderiam navegar. A
luz pode ser só luz, mas também pode ser algo maior, algo que, talvez, com tão
pouca idade, os meninos ainda não soubessem como poderia ser maravilhosa e
terrível.
Mesmo
pequenina, essa história tocou meu coração profundamente e ficou marcada como
fogo na minha memória, ainda hoje tendo um lugar especial tanto na minha
estante quanto no meu coração.
2. O
triste fim do pequeno menino ostra e outras histórias, do Tim Burton
Quem
já conhece o trabalho do Tim Burton, sabe como a estranheza e o horror se
misturam de uma maneira muito única para criar seu estilo. Não é diferente com
esse livro que é poesia, humor, horror e beleza.
São
várias pequenas histórias, a maioria rimada, que falam majoritariamente sobre
crianças “erradas”. Crianças múmias, ostras, âncoras. Também há histórias sobre
super heróis, garotas com muitos olhos e rainhas que também são almofadas de
alfinetes. Todas acompanhadas de ilustrações bem ao estilo do autor.
É uma
leitura rápida e divertida, mesmo que um pouco...estranha.
3. The
Gashlycrumb Tinies, do Edward Gorey
Tem
coisa mais infantil que um abecedário? O de Edward Gorey, então, é cheio de
crianças. Todas mortas.
The
Gashlycrumb Tinies é um abecedário em que cada letra representa uma criança ― morrendo.
De maneiras cotidianas ou não, cada morte é ilustrada de maneira muito parecida
com o estilo do Tim Burton (ou melhor, o estilo do Tim Burton se parece com o
de Gorey, cujo livro em questão foi publicado décadas antes): belos e
aterrorizantes.
A is for Amy who fell down the stairs, B
is for Basil assaulted by bears.
(A é de Amy que caiu das escadas, B é de Basil que foi atacado por ursos.)
É
certamente um abecedário bem diferente e mórbido e, se vocês forem um pouquinho
como eu, vão adorar.
K é de Kate que foi atingida por um machado |
4. Inês, de Roger Mello e Mariana Massarani
Este é
o único livro brasileiro da lista! Não apenas isso, mas também foi vencedor do
prêmio Jabuti de 2016 na categoria livro infantil. Fico muito feliz por ele
estar também nessa minha humilde listinha listinha.
Inês mistura realidade e ficção e conta a história do
amor proibido do príncipe de Portugal por Inês de Castro e como ela foi
assassinada por ordens do rei, mas mesmo depois de morta, coroada rainha ― tudo
contado pela voz da filha dos dois.
A história tem um ar e uma melancolia únicos, mas ainda
assim temperada com um toque suave, com ilustrações lindas e trágicas; o tipo
de livro que eu teria amado ler quando criança.
5. O
pato, a morte e a tulipa, de Wolf Erlbruch
Este
é, sem dúvida, meu livro preferido desta lista. É o tipo de livro que, não só
eu gostaria de ter tido a oportunidade de ter lido na infância, como um que
guardarei para meus descendentes, se eles vierem a existir.
O
pato, a morte e a tulipa é um livro sobre a morte. O título já deixa bem claro
que ela está presente, mas não de que forma se apresenta. E a forma é a de um
esqueleto, vestido com roupas de vovó. A Morte é simpática, até, delicada, eu
diria. Direta, no entanto. Ao vir buscar o pato, os dois acabam tendo tempo
para se conhecer e desenvolvem uma bonita amizade.
Acredito
que este livro serve para mostrar a Morte pela primeira vez. Ela chega, não
necessariamente violenta, mas com a delicadeza e fragilidade de uma senhora
idosa. Como uma velha amiga, mas chega. Ela não é má, não tem todas as
respostas, não sabe nada sobre o céu ou o inferno. Ela vem apenas cumprir seu
trabalho, sabendo apenas, que a vida é assim.
Esse livro
é o tipo de livro que vai além de si mesmo, é para crianças, adolescentes,
adultos...que todos tenham uma maneira diferente de interpretá-lo e senti-lo.
De ver a morte talvez pela primeira vez, mas talvez, com outros olhos.
E essas foram as minhas recomendações de livros infantis!
Sinto que muitos adultos fogem desse gênero, não sabendo como ele pode ser
incrível para nossos corações velhos e abatidos também.
Espero que tenham
gostado!
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